quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Os Fracos Não tem vez

O título acima acompanhava a foto do sorridente casal de jogadores de poker. A matéria enaltecia o jogo, galgado oficialmente à condição de esporte e em franca expansão. Todo o texto falava das maravilhas de devotar a vida a sua prática e dos benefícios que traria à saúde da mente, além da vantagem de poder se tornar profissão altamente rentável.
A frase agrediu minha sensibilidade. No mundo no qual não há lugar para fraqueza humana só há gente forte? Pois na dita matéria apenas eram mencionados ganhadores, personagens dignos de admiração. E os perdedores – pensei eu, buscando-os linha a linha, parágrafo a parágrafo, sem os encontrar na reportagem. Fui pesquisar mais o assunto. Só consegui entender a filosofia vigente no poker quando  descobri que “todos os valores reprimidos em uma sociedade competitiva são libertados e colocados em primeiro lugar na ordem das regras de convivência (no poker)”, como diz o livro Strategy in Poker, Business & War, de John McDonald. Acrescentando ainda “fraternidade? Fé? Caridade? Essas são as qualidades menos importantes de um bom jogador de poker”. Portanto, os fracos, os jogadores derrotados que se danem; que sequem suas lágrimas, sumam da cena e arrastem consigo o desespero dos prejuízos e as tantas vezes trágicas consequências de seus fracassos.
A minha leitura da matéria foi feita pelo viés de quem dedicou a vida ao cuidado humano, dando voz e vez exatamente aos mais fracos, aos mais frágeis. E, talvez por meu olhar enviesado, as táticas desse jogo me choquem tanto. Conheço o outro lado, onde moram os que não se deram bem, os que apostaram tudo e perderam. Conheço o lado das mulheres que ficaram em casa solitárias cuidando de filhos, enquanto seus maridos deixaram de serem companheiros para vararem noites a fio na companhia das cartas.
Mas, não é só no poker que se enaltecem êxitos e se subestimam derrotas. As reportagens sobre empreendedorismo costumam também entoar o canto da sereia: mostram só o lado dos que estão no lucro, a turma “fraca”, que amargou perdas não aparece nem nas sombras das entrelinhas. Fazem assim, mesmo sabendo do alto índice de negócios que não dão certo e das conseqüências graves que acarretam em tantas histórias familiares.
O fato notório é que, enquanto os que alcançam a gloria do sucesso se gabam cobertos de soberba e arrogância, como se tudo fosse fruto exclusivo de méritos, as histórias dos perdedores deixam de ser contada. Os que sucumbem não aparecem, relegados a frieza dos números e a indiferença das estatísticas, como se não envolvessem destinos, vidas, pessoas, famílias.

O mundo onde os fracos não têm vez é o retrato da capacidade humana de, podendo evoluir para uma existência mais solidária, espiritualmente superior, ainda teimar em escolher modelos egocêntricos, seguindo o caminho da barbárie social, da indiferença ética e moral. Para meu consolo, esses “fortes” insensíveis e cruéis, por mais poderosos que sejam, representam, na verdade, apenas uma minoria da humanidade. Isso é um grande consolo e uma valiosa esperança,pelo menos para mim.
                     (publicada no Jornal Agora  - 25 outubro 2014)

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