quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Não Engulo Sapos

Recentemente tropecei com esta inspiração. No vidro traseiro de um carro, o adesivo me advertiu: “não engulo sapos”. Quase dei um salto atrás para tomar maior distância do veículo estacionado, mas logo escapei para a calçada e segui adiante.  Porém fui perseguida por aquelas três palavras que insistiram emincomodarminha mente. Já vi de tudo, mas essa eu não tinha visto ainda. Que tipo de gente colocaria um letreiro desses?
De repente, me deparei com os estereótipos e preconceitos que costumam surgir quando se imagina alguém que não se conhece. A criatura deveria ter os nervos à flor da pele, ser um sujeito impulsivo e feroz, capaz de brutalmente saltar no pescoço de quem atrapalhasse seu caminho. Imaginei um homem e até hoje tenho dificuldade de pensar que pudesse ser uma mulher a dona do carro. Logo corrigi meu imaginário, afinal, assim como ruiu o muro de Berlim, foram-se ao chão todas as fronteiras de gênero. Grosseria e brutalidade não fazem mais distinção de sexo, nem de idade, profissão, grau de instrução ou condição sócio econômica.Atitudes baixas, palavras vulgares, comportamentos agressivos e brutais crimes são protagonizados por gente letrada e mulheres de boa aparência. A criatura que não engole sapos poderia ser do tipo orangotango, forte o bastante para partir para briga no braço ou figura feminina, franzina, mas capaz de desferir impropérios verbais dignos de fazer corar o mais vulgar dos seres ou ferir incisivamente a alma de qualquer desavisado.
Há um provérbio indígena americano que diz que dentro de nós há dois cães, um é cruel e mau; outro é muito bom. Os dois estão sempre brigando e essa briga será ganha por aquele que tiver sido alimentado mais frequentemente.  Pois pensando sobre o acontecido e outros tantos fatos correntes, parece que há muita gente alimentando seu cão mau,fazendo deste um mundo perigosamente intolerante.
Felizmente a vida, como o rio, dá muitas voltas para seguir seu curso e vamos nos tornando diferentes ao longo do seu curso. Por questões de saúde e até de sobrevivência, para salvar os níveis de glicemia, colesterol e pressão arterial, o recomendado é, além de cuidar da alimentação, manter a vida mais sossegada e a alma mais serena. Talvez por isso, quando conseguimos a benção de envelhecer, tendemos a alimentarmais o cão bom, que é dócil e tolerante. Com a cadência do tempo se vai aplainando a personalidade.Com tais mudanças, é bem comum nos tornarmos exímios engolidores de sapos.  Passamos a engolir coisas que não apreciamos, comportamentos que não compartilhamos, atitudes que nos são desagradáveis, indelicadezas e grosserias em geral. Evidentemente, existem pessoas que dobram o cabo das boas esperanças na vida, avançam décadas afora, sem jamais cansarem de entrar em peleias, mas não é o mais comum, para nossa melhor sorte. A maturidade costuma produzir mais pacificadores do que desnorteados gladiadores.
Refletindo sobre tudo isto, resta-me desejar que o adesivo “não engulo sapos” não se torne moda e não encontre seguidores desse exemplo de maus modos, pois grosseria gera grosseria; intolerância gera intolerância, coisas que não precisamos.
                                       (publicada em 26/07/2014 no Jornal Agora)

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