Recentemente tropecei com esta
inspiração. No vidro traseiro de um carro, o adesivo me advertiu: “não engulo
sapos”. Quase dei um salto atrás para tomar maior distância do veículo
estacionado, mas logo escapei para a calçada e segui adiante. Porém fui perseguida por aquelas três palavras
que insistiram emincomodarminha mente. Já vi de tudo, mas essa eu não tinha
visto ainda. Que tipo de gente colocaria um letreiro desses?
De repente, me deparei com os
estereótipos e preconceitos que costumam surgir quando se imagina alguém que
não se conhece. A criatura deveria ter os nervos à flor da pele, ser um sujeito
impulsivo e feroz, capaz de brutalmente saltar no pescoço de quem atrapalhasse
seu caminho. Imaginei um homem e até hoje tenho dificuldade de pensar que
pudesse ser uma mulher a dona do carro. Logo corrigi meu imaginário, afinal,
assim como ruiu o muro de Berlim, foram-se ao chão todas as fronteiras de
gênero. Grosseria e brutalidade não fazem mais distinção de sexo, nem de idade,
profissão, grau de instrução ou condição sócio econômica.Atitudes baixas,
palavras vulgares, comportamentos agressivos e brutais crimes são protagonizados
por gente letrada e mulheres de boa aparência. A criatura que não engole sapos
poderia ser do tipo orangotango, forte o bastante para partir para briga no
braço ou figura feminina, franzina, mas capaz de desferir impropérios verbais dignos
de fazer corar o mais vulgar dos seres ou ferir incisivamente a alma de qualquer
desavisado.
Há um provérbio indígena
americano que diz que dentro de nós há dois cães, um é cruel e mau; outro é
muito bom. Os dois estão sempre brigando e essa briga será ganha por aquele que
tiver sido alimentado mais frequentemente.
Pois pensando sobre o acontecido e outros tantos fatos correntes, parece
que há muita gente alimentando seu cão mau,fazendo deste um mundo perigosamente
intolerante.
Felizmente a vida, como o rio, dá
muitas voltas para seguir seu curso e vamos nos tornando diferentes ao longo do
seu curso. Por questões de saúde e até de sobrevivência, para salvar os níveis
de glicemia, colesterol e pressão arterial, o recomendado é, além de cuidar da
alimentação, manter a vida mais sossegada e a alma mais serena. Talvez por
isso, quando conseguimos a benção de envelhecer, tendemos a alimentarmais o cão
bom, que é dócil e tolerante. Com a cadência do tempo se vai aplainando a
personalidade.Com tais mudanças, é bem comum nos tornarmos exímios engolidores
de sapos. Passamos a engolir coisas que
não apreciamos, comportamentos que não compartilhamos, atitudes que nos são
desagradáveis, indelicadezas e grosserias em geral. Evidentemente, existem
pessoas que dobram o cabo das boas esperanças na vida, avançam décadas afora,
sem jamais cansarem de entrar em peleias, mas não é o mais comum, para nossa
melhor sorte. A maturidade costuma produzir mais
pacificadores do que desnorteados gladiadores.
Refletindo sobre tudo isto,
resta-me desejar que o adesivo “não engulo sapos” não se torne moda e não
encontre seguidores desse exemplo de maus modos, pois grosseria gera grosseria;
intolerância gera intolerância, coisas que não precisamos.
(publicada em 26/07/2014 no Jornal Agora)
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