quinta-feira, 3 de abril de 2014

Os Jovens de 29 Anos

Os padrões mudam com o passar dos anos, faz parte da transposição das épocas. De uns tempos para cá, por exemplo, se percebe que juventude vem se tornando uma faixa etária cada vez mais elástica. Agora, por lei, se estabelece que até 29 anos a pessoa seja jovem. Chega-se à fase balzaquiana da vida com direitos e vantagens especiais dadas a colegiais, igualados todos na ampla faixa dos 15 aos 29 anos.
 Até tempos recentes, rituais de passagem demarcavam momentos de vida, estabelecendo fronteiras entre uma fase e a seguinte. Crianças eram crianças, usavam roupas de criança, viviam liberdade vigiada, tinham direitos restritos e não gozavam acesso ao mundo adulto – universo das responsabilidades, das consequências e dos interesses sérios. Entre a vida infantil e a plena vida adulta, se espremia um transitório período de curta adolescência que, como febre, vinha agudo, forte e passava rapidamente, oprimido por repreensões de todo tipo: “deixe de ser infantil, você já não é mais criança”, “você ainda não é adulto para isso...”. Adolescência era o tempo de não ser ninguém, não poder mais brincar, mas ainda não gozar dos benefícios da maioridade. Não era um bom momento, ninguém quereria permanecer adolescente. Crescer e virar adulto trazia muito maiores vantagens. Os demarcadores de fronteira eram biológicos e etários: pela puberdade se deixava de ser criança e aos 18 anos, pelo ingresso no mundo do trabalho ou numa universidade, se abandonava a adolescência e assumia a maturidade adulta. A maioridade estabelecia uma condição adulta plena. Não se ficava “meio-adulto”, era preciso encarar a vida de frente, assumir conseqüências de seus atos, sem atenuantes. Não tomar rumo sério aos 18 anos era coisa preocupante e situação socialmente censurável.
Lembrando como acontecia a evolução do desenvolvimento até bem recentemente, dá para perceber a dimensão da mudança. Foi uma verdadeira virada. O ouro da existência, antes colocado na etapa adulta, está cada vez mais centrado na juventude, a qual tudo se permite e pouco se cobra. No grande baú da juventude e da vida estudantil estão alunos de primeiro grau, misturados com mestrandos e doutorandos, todos na mesma, desfrutando passe livre. Todos juntos e misturados como se estivessem em situações iguais, confusão típica desta época de muitas ações e raras reflexões.
Até quando, afinal de contas, alguém merece – ou precisa – ter proteção pela condição especial de sua “juventude”? Nas qualificações apresentadas em noticias de jornal, por exemplo, se confirma que identidade profissional se sobrepõe à condição etária: quem trabalha deixa de ser chamado “o jovem de 25 anos” para ser qualificado por sua profissão, seja pedreiro ou engenheiro. Quem tem profissão e vive de seu trabalho já não é mais nomeado como “jovem”, indiferente da pouca idade que possua. Como uma insígnia, o trabalho institui maturidade, estabelece plena condição de autonomia – ingrediente básico à vida adulta. Vale lembrar que se tem muita gente chegando aos 30 anos sem saber que rumo dar a sua existência, há um seleto pelotão de mesma idade com profissão definida, como advogados, médicos, professores, engenheiros, promotores, delegados, juízes e trabalhadores de todos os ramos e etc. Gente moça que se comporta e vive de forma adulta, para o bem geral da nação.

Também a graduação no nível superior de ensino estabelece (ou deveria estabelecer) uma nova identidade pessoal, mesmo que prossigam estudos de pós-graduação. Alunos de mestrado e doutorado deveriam ser chamados de pesquisadores, pois se dedicam à pesquisa, mas estão habilitados a desempenhar profissões ditas de nível superior. Mas são todos acomodados no confortável baú da vida estudantil: são todos estudantes. Essa juventude estendida leva a atrasos no desenvolvimento vital: as pessoas crescem, mas não amadurecem, resistem teimosamente a deixar o conforto e a proteção quase divina do lar paterno e das isenções legais. Talvez por isso se comportem coletivamente tantas vezes como rebeldes colegiais. Essa juventude estendida é o retrato fiel de uma sociedade permissiva, de valores confusos e conceitos equivocados.

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