quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A Pele que nos Reveste

Por nossos pagos, gritos racistas bradaram em alto e bom tom, ecoaram ofensas em coro, sem pudor, sem vergonha, sem constrangimento, sem medo.  O medo só veio diante das reações posteriores, mesmo assim não apareceu acompanhado de mínimo sinal de senso moral. Os valentes que ofendiam em grupo ao atleta negro agora se escondem, negam autoria. Não surgiram nem confessos e nem arrependidos, só apareceram cínicos inocentes, todos da turma do “não fui eu”.
A cena bem filmada, incontestável, é a prova viva do quanto ainda se arrastam as cruéis correntes dos tempos da senzala. As diferenças da cor da pele continuam demarcando territórios, abrindo ou fechando portas, alterando destinos.
Num mundo tão desenvolvido, numa sociedade cada vez mais sofisticada, ainda persistem comportamentos de barbárie, como as atitude dos torcedores racistas. Estarem em grupo, num estádio, com seus ânimos exaltados contribuiu para que perdessem a noção e se expusessem tão despudoradamente. O mais comum, em nossos dias, é que o preconceito seja praticado de forma disfarçada, algo bem comum de acontecer nos ambientes de trabalho, por exemplo.  Lembro de um Banco estatal que no passado recente alocava os negros aprovados nos concursos públicos em funções de almoxarifado, longe dos olhos da clientela – majoritariamente branca.
Por certo já se evoluiu muito, hoje há leis para proteger, penas para punir, medidas sociais para compensar os danos do passado. Mas tudo isto existe, porque continuam a existir diferenças entre as pessoas em função de sua pele.  O preconceito racial não impera, mas sobrevive dissimulado em muitas situações.
A pele que nos reveste é uma de nossas características pessoais mais marcantes, nos acompanha desde o registro de nascimento, denotando não uma “raça”, mas tão somente uma cor. Cor que remete a possíveis origens raciais, por aqui sempre múltiplas, miscigenadas. Alias, em tese, não tem cabimento algum brasileiro ser racista, pois somos miscigenados por natureza: diversidade racial é a regra aqui e “raça pura” é coisa rara.
Uma de nossas maiores riquezas – a miscigenação, a mestiçagem que nos enriquece como povo, também é a mazela que nos atrasa como nação: ainda discriminamos gente pela cor, melhor dito, pelo tom da pele.  Esse povo hibrido que somos tem a desfaçatez, o descaramento de alimentar sentimentos de pureza racial. Seria ridículo, se não fosse trágico.

O episódio lamentável valeu para trazer a tona mais um problema que ainda não resolvemos. Serviu também para estimular a divulgação de outras denuncias, como a de um jovem casal que vem sofrendo discriminação racial na internet. A pena exemplar aplicada ao clube de futebol representa um passo adiante para inibir novos comportamentos.  O pensamento racista poderá ainda sobreviver, mas cada vez mais acuado em atitudes de contenção, até que um dia seja, finalmente, superado. Está demorado esse avanço, mas ainda chegaremos a esse tempo em que não sejamos mais valorizados pela pele que nos reveste.
                                    (publicado em 06/09/2015 no Jornal Agora)

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