quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

De Volta aos Manuscritos

Após muitas crises de relacionamento com o computador e a internet, voltei à caneta e ao papel. O reencontro com minha letra se deu com certo prazer e uma pitada de surpresa: continuo – ainda – com a mesma de letra de antes. Apesar da falta de uso, não perdi a capacidade de escrever. Que alívio!
Os manuscritos são muito confiáveis. O que está escrito, grafado no papel, não se auto destrói facilmente, não deleta a si mesmo, não some no piscar de um desavisado instante. O risco de se perder a folha de papel é ínfimo diante das múltiplas e constantes ameaças virtuais.
O pensamento parece agorafluirmais aliviado, sereno e lúcido, seguindo a cadência das letras. As mudanças de percurso das ideias ficam registradas com riscos, deixando à mostra a marca de palavras suprimidas ou traços em lança apontando para aquilo que foram acréscimos ao texto original.
Na busca de papéis para escrever, reencontrei os restos de uma antiga agenda: dentro de uma bela capa de couro, com etiqueta metálica dourada, restavam apenas algumas folhas de mapas e as páginas dedicadas à agenda de endereços. Com surpresa reencontrei extintos telefones de amigos perdidos na vida, nomes de outros já falecidos e de pessoas que apenas cruzaram rapidamente minha existência. Tudo nítido como se houvesse sido escrito no dia de ontem, embora tenham sido grafados há quase vinte anos. Se os telefones já para nada servem, os nomes registrados pinçam na memória vívidas lembranças de bons pedaços de minha existência. E, só por isto, por despertarem recordações adormecidas, já se tornam significativos. Parecem de algum modo preciosos, como se fossem capítulos, pedaços concretos da história real que vivi, uma breve viagem no tempo, rápida volta ao passado.
 Os manuscritos são assim fiéis, não são voláteis, não evaporam pelo ar e só desaparecem após se ter o duro trabalho físico de destruí-los. Dirão os críticos de mim que papéis se perdem, sim. Mas eu teimarei em rebate-los. Tudo o que se perdeu se pode acalentar esperanças de reencontrar. Já a possibilidade de resgatar coisas escafedidas nos espaços virtuais costuma ser mais do que improvável, beirando o impossível. Escrevo este elogio aos manuscritos com a experiência de quem em distantes dias se fascinou com a rapidez da datilografia e depois foi encantada com as aparentes facilidades do mundo virtual.

Volto aos quadrantes do papel, retorno ao exercício da escrita manual, reencontro minha letra com a alma curtida pelos reveses de tantos trabalhos perdidos nos ralos internáuticos, defenestrados pelas janelas invisíveis da internet.  O texto transcrito para o computador vai a nível de alinhavos, mas se por algum motivo for perdido, com facilidade será resgatado em sua essência à partir do rascunho escrito. Deixei de me sentir refém dessa coisa tão sofisticada, porém tão arisca chamada computador.
                                               (publicado em 14 de junho 2014)

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