quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Desmaterialização do Mundo

O mundo no qual vivemos está sendo desmaterializado, pulverizado em espaços virtuais e trilhas invisíveis. As coisas estão deixando de serem concretas, palpáveis, e essa avalanche de mudanças radicais vai sendo absorvida com indiferente naturalidade.
Enquanto escrevo, meus olhos dão de encontro com alguns metros de cabo de internet, enrolados no canto da sala por estarem em desuso já há algum tempo. Rastros de uma época recente em que fios ainda estavam ligados a tomadas para permitirem a conexão à internet. Agora jazem prescritos pelo avanço das tecnologias wireless e em breve se juntarão a mais um lote de lixo limpo. Nas prateleiras à minha frente também sobreviveram uns poucos CDs, remanescentes dos tempos anteriores aos pendrives. Estes, os pendrives, não vieram para ficar, serão banidos ainda mais rapidamente, substituídos por arquivos volatilizados nas nuvens, em lugar incerto e não sabido.
Pois nesse universo aonde tudo vai ficando virtual uma criatura pré-histórica, quase um fóssil vivo (se isso fosse possível), luta bravamente para manter a vida sustentada apenas em coisas palpáveis. Essa criatura, que sou eu, resiste a rasgar seus guardados e mandar seus registros e todas suas recordações para o espaço, literalmente. Após voltar a escrever cartas, com o serviço extra de enfrentar longa espera nos Correios, voltei a imprimir as melhores fotos que tiro. No futuro, não muito distante, talvez isso se torne impossível. Sabe-se lá onde vão parar as transformações. Além do mais, para quem aprecia a arte da fotografia nada melhor que a imagem impressa.
Outra dificuldade que me está afetando é a desmaterialização dos mapas. Agora só recorrendo a Google maps ou ceder ao GPS. O apetrecho eletrônico guia o sujeito até seu destino e a criatura nem precisa saber o caminho. Resultado: já não se encontram mapas de ruas das cidades, por falta de demanda. Alias, muita gente já nem sabe mais “ler” um mapa. E como fico eu, que preciso de mapa para saber onde estou e planejar a rota para chegar onde desejo quando estou em viagem por lugares desconhecidos? Sou obrigada a recorrer à internet, fazer um esboço do trajeto e levar comigo, ao estilo das rotas de navegação em trilhas.
O dinheiro também está sendo desmaterializado, conspirando para que se perca a noção de seu valor e ajudando criminosos engravatados a roubarem bilhões. Se precisassem carregar tudo o que saquearam ficaria mais difícil sua ação e dificilmente passaria despercebida.

Pode parecer um saudosismo absurdo de uma mulher retrograda e ultrapassada, mas não sou só eu a pensar deste jeito. Faço parte de uma vanguarda que percebe os efeitos perigosos e negativos da dependência as tecnologias que estão desmaterializando o mundo a nosso redor, tornando-o líquido, volátil e invisível. É o caso da Alemanha, onde voltaram a ser muito vendidas maquinas de escrever, em função da perda de confiança na comunicação virtual. Esse mundo que se liquefaz, pulveriza, desmaterializa as coisas pode oferecer mil facilidades, mas elas privam a liberdade de escolha de quem não queira nadar a favor das novidades correntes. E esses, no qual me incluo, precisam resistir teimosa e bravamente para com as mãos salvarem o que lhes for possível, pois todo o resto será banido.
               (publicada no Jornal Agora - 29/11/2014)

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