quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O Indispensável Pai

Pai? Para que? Assim parecem pensar algumas mulheres que decidiram importar sêmen humano, escolhendo-o com o critério da melhor genética, segundo a lógica estética do “alto, loiro e de olhos azuis”.  O pensamento é um tanto semelhante ao aprimoramento genético desejado por Hitler, apenas aplicado à escolha individual. Também remete ao mundo criado pela reprodução da espécie de forma selecionada e não sexual, retratado magistralmente por Aldous Huxley em seu livro Admirável Mundo Novo (ano 1932). O homem, o pai, entra nessa história apenas como reprodutor qualificado, idêntico ao que já se faz com a classe animal, sem dilemas éticos, morais ou emocionais. O filho sob encomenda prescinde da presença paterna, tornada opcional, mero detalhe.  A mulher se alforriou, literalmente, da necessidade de parceiro para engravidar. Além da perda de importância do pai no ato de gerar filhos, há hoje o desprestígio da função simbólica da paternidade, que segue outro nexo, independente da biologia e da genética
Talvez por uma conspiração de fatores como a ascensão do feminismo, a liberação da mulher com radical mudança no modo de viver e na organização das famílias. Talvez pelas transformações produzidas pelas novas tecnologias, dominadas pelos jovens da geração Y, nascidos para mandar e não obedecer, desde a saída das fraldas. Talvez por tudo isso e mais alguns outros motivos, o pai e a autoridade de sua palavra parecem proscritos do cenário familiar. É neste ponto que a coisa se torna mais complexa e problemática.
Enquanto a mulher vai sendo talhada desde as brincadeiras de infância para a maternidade e, ainda que assim não o seja, pode amadurecer seu aprendizado ao longo das transformações da gestação, o pai só irá entrar na história psicológica do filho bem mais tarde.  Nas fases iniciais o pai pode ser um coadjuvante das funções da mãe. Valioso se for presente, solidário e amoroso nesse momento, mas seu papel mais importante só virá mais adiante. Dele é a função de estabelecer limites, os tantos “nãos” necessários, as frustrações fundamentais e também o estímulo à superação de desafios. Pode a mulher acumular as funções maternas e paternas, por certo, porém a vida nos mostra o quanto é difícil manter este equilíbrio no duplo papel parental. Ou a mulher fracassa no seu papel de pai ou se atrapalha bastante com as funções maternas. Excessos ou prolongamento da função materna fez surgir a “geração canguru”: adultos que resistem em alçar autonomia e assumir responsabilidades, para não perderem roupas lavadas, comida e casa de graça.
Segundo termos psicanalíticos, o pai representa a Lei e a Castração, fundamentais para que o filho possa romper a proteção dos braços maternos e ganhar o mundo com as próprias pernas. Quando avança a idade da prole e seu desenvolvimento evolui, a cena familiar vai precisando cada vez mais do protagonista paterno. Há que se ter força para segurar birras de pequenos pirralhos, mas é preciso braço forte, pulso firme e autoridade moral para lidar com arroubos adolescentes ou com os excessos dos jovens adultos. A força masculina aparece como algo tão fundamental que sua ausência faz marcas profundas e pode ter conseqüências trágicas como a criminalidade e a violência.

Neste domingo, milhões de pessoas não terão a quem homenagear, beijar ou mesmo apenas lembrar, pois são os filhos de pais desconhecidos, que arrastam pela vida a fora a certidão de nascimento incompleta e uma falta em ferida aberta ou inesquecível cicatriz. O filme “Nada sobre meu Pai”, da cineasta Susanna Lira e o livro “Em Nome da Mãe – o não reconhecimento Paterno no Brasil”, da filósofa e socióloga Ana Liese, são sugestões para quem queira saber mais sobre o quanto a presença de um pai é indispensável.
             (publicada Jornal Agora - em 08/08/2015)

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