quinta-feira, 3 de abril de 2014

Pátria Amada

Num tempo muito distante, o dia sete de setembro era celebrado cheio de orgulho e amor pela Pátria amada Brasil. Eram tempos de inocência e pudor. Não se sabia de tantos mal feitos, que não eram nem tão públicos e nem tão notórios. Tínhamos o coração cheio de esperanças, nos sentíamos os filhos amados de uma mãe gentil chamada Brasil. Estufávamos o peito e a plenos pulmões cantávamos de memória o Hino Nacional, o Hino da Independência e fechávamos com chave de ouro, entoando o Hino Rio-grandense. Pouco entendíamos daqueles versos cheios de palavras desconhecidas, mas animávamos a alma com o sentimento de amor pela terra em que nascêramos.  O mês de setembro reforçava isto com as celebrações do dia 7 e do dia 20.  
A data pátria era vivida quase sempre num dia frio, muito frio. Precisávamos enfrentar ventos gelados em fila, treinando e aguardando nosso momento solene de entrar na Rua Marechal Floriano e marchar no passo certo, desfilando para uma grande platéia e caprichando na frente do palanque oficial das autoridades. Só chuva impedia que se enfrentasse a jornada cívica, vivida com uma mistura de sentimentos intensos, envoltos em alegre entusiasmo. Era um dia especial, solene, e todos, por pouca idade que ainda tivéssemos, sentíamos isso. Aquele momento festivo envolvia certo sofrimento iniciado na véspera: acertar o uniforme que precisava estar completo sob pena de sofrer punição disciplinar, coisa muito temida, naquela época em que tudo parecia ser tão sério. Era preciso não esquecer os sapatos pretos caprichosamente engraxados para não fazer feio. Essa era uma etapa dura para os que contavam os tostões e nem sempre tinham toda a farda. Aguardar o começo do desfile poderia durar mais de hora, em pé, suportando gelados ventos, mas fazia parte quase natural do evento, na pré-história dos direitos humanos. O frio nas canelas, a briga com saias levantando pelo vento da esquina dos bancos, a fome e a sede eram sofrimentos que só faziam valorizar o orgulho juvenil. Era a época da moral e cívica, da ferrenha disciplina militar, ainda não maculadas pelas sombras dos anos de chumbo. Os duros tratos a que éramos submetidos nos fortaleciam, tornando mais rijos nosso caráter, pelo menos era isso que se esperava que acontecesse. Se havia sofrimento no esforço, maior era o júbilo da superação.
Todo o árduo exercício de civilidade, infelizmente, não resultou numa geração exemplar, bem se pode ver. Nesse país cada vez mais imperam eminências pardas e excelências de caráter duvidoso, avessos do ideal de ética, honestidade e respeito. O sentido simbólico da Independência do Brasil parece remoto, ultrapassado. Tiramos os laços de uma monarquia, mas permitimos que outros tiranos reinados se eternizassem, saqueando nossas riquezas e zombando de nosso povo sofrido. Que sentimento pode habitar nossa juventude diante do colapso moral instalado nas esferas oficiais?

A resposta tem vindo das ruas. As últimas manifestações coletivas misturaram protestos ordeiros com atitudes destrutivas de toda ordem. A insatisfação social pulsa em todas as gerações e não combina com festivas homenagens. Apesar de tão negativas circunstâncias, raiou a luz da esperança iluminando os jovens filhos da Pátria, que hão de fazer contente a mãe gentil, Brasil.

                                                Publicado em 07/09/2013

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