quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Made in Brazil

Perdi a conta do tempo em que tudo ou quase tudo que se comprava trazia um “made in Brazil” ou a impressão do selo de origem, indicando cidade e estado brasileiro. A vida como me lembro na infância era assim, nacionalista. Coisas estrangeiras eram poucas e restritas às classes de maior poder aquisitivo. Até que surgiram as calças Levis, americanas, um dos primeiros produtos importados de grande sucesso e consumo de massa. As Levis eram muito disputadas e para comprá-las se recorria a um comércio informal, estilo contrabando.  Esse e alguns outros poucos produtos importados, como perfumes, eram oferecidos por pessoas confiáveis, como uma vizinha de porta ou o conhecido carteiro da zona onde morávamos.  Como os traziam era mistério jamais decifrado por minha mente então juvenil, que, aliás, nem pensava sobre esse assunto. Mas isto é passado.
Fomos sendo tragados pela globalização e pelo mundo do livre comércio dominado pela comunista China, numa das grandes ironias desta época. Qualquer coisa que se compre traz o selo chinês, cuja qualidade costuma ser bem duvidosa, para não falar coisa pior. Talvez para disfarçar essa origem, freqüentemente vêm inscritas apenas as iniciais “RPC”, em letras bem pequenas, num lugar de difícil localização. Agora, porém, com a meteórica suba do dólar, a dominação chinesa está ameaçada e, quem sabe, possa se aproveitar a oportunidade para resgatar a sofrida produção nacional. Os governos não parecem estar planejando nada a respeito. Na verdade, eles nunca parecem estar planejando. Como fazer planos se vivem assoberbados com outros esquemas do jogo político? Quem precisa e deve fazer planos somos nós, o heterogêneo eleitorado, que de alto a baixo da escala social sofre os desvarios da política econômica.
De minha parte, está alinhavado o plano e traçadas as linhas estratégicas de ação: vou dar prioridade a tudo o que seja brasileiro e, mais do que isto, tentarei adquirir o que precise em comércio local, resistindo o tanto quanto possa às seduções das compras virtuais. A primeira coisa a observar, em qualquer escolha, será a origem do produto. Como as marcas são globalizadas será preciso buscar a etiqueta ou o registro de origem, pois o que antes era feito por aqui, agora pode ser apenas montado ou embalado, enganando facilmente o consumidor distraído. Quando se olha este detalhe, é de se espantar. Todo tipo de coisa está sendo trazida de fora: de alimentos a eletrodomésticos simples. Alguns itens, como brinquedos, por exemplo, são bem difíceis de serem encontrados nacionais, tal a hegemonia da dominação chinesa.

Não me importarão, porém, as dificuldades: o plano do meu governo está feito. Vou tentar governar minha existência, apesar de todos os pesares. Darei minha minúscula quota de sacrifício para fortalecer a desvalida indústria nacional, para ajudar a manter os comércios locais e o emprego das tantas pessoas que nele trabalham. Disponho-me até a pagar um pouco a mais, como sacrifício pessoal pelo bem coletivo, muito maior e mais valioso do que meus míseros trocados e minha insignificante individualidade. Vou pensar sempre mais longe, refletir sobre a conseqüência de cada uma de minhas escolhas imediatas. Não vou levantar bandeiras, nem propor revolução. Já passei, em muito desta idade. Vou apenas exercer meu modesto direito de governar minhas escolhas. Só e apenas isto.
                  (publicado no Jornal Agora - em 17/10/2015)

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