quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Leques e Banhos de Caneca

A crise da água há muito anunciada chegou, é assunto do dia. As notícias dão conta de rios e reservatórios secos, de cidades sofrendo com falta de abastecimento de água. Explicações científicas comprovam os efeitos de fenômenos climáticos previsíveis e também os desperdícios que poderiam ter sido evitados, os problemas que poderiam ter sido minimizados. Por outro lado, governos se revezam sem seriamente assumirem compromissos com o meio ambiente ou com as ações necessárias ao responsável uso da água. Desviam-se rios, constroem-se cada vez mais barragens, como se a rota sinuosa, caprichosamente desenhada pela natureza, não guardasse sabedoria. Quando surgem conseqüências indesejadas, novos equívocos são cometidos, intervenções tão caras quanto desastrosas. A crise hídrica traz consigo o colapso energético, portanto, além da falta de água, está vindo junto falta de energia. Esse é o porvir que nos está chegando, num tempo em gerúndio, não num futuro hipotético.
Por enquanto, apenas os “outros” estão sofrendo privações de água. Por estas bandas continuamos a ter cacimbas cheias e certo sentimento de que assim continuaremos, sempre protegidos, imunes a essa e todas as crises. É a sensação enganosa de não ter nada haver com a situação, a indiferença moral garantida pela distância psicológica. Por mais que as notícias nos cheguem em imagens bem vivas do sofrimento alheio, se as pessoas não nos são próximas, não nos dizem respeito. Seca no sertão? Guerra por água do Sudão? Gente morrendo por falta de água na África? Isso tudo é muito distante. São Paulo sem água? Ainda parece inacreditável, mesmo diante da imagem de reservatórios vazios. Se não temos pessoas ali que nos sejam importantes a sofrer o problema, é como se ele – o problema – não existisse.
Assistimos a tudo isso inertes, seguimos a abusar da água, nos ensaboando distraídos, embaixo de chuveiros abertos. É a dissociação entre excesso de informação e ausência de reflexão e de conhecimento consciente: sabemos que a água é o ouro deste século XXI, causa de conflitos e guerras, mas lidamos como se nós – apenas nós – fossemos os senhores de uma fonte inesgotável e o resto da humanidade não nos importasse.

Enquanto a crise bate na porta de vizinhos cada vez mais próximos, vamos continuar a curtir o delírio da eterna abundância? Sinceramente, acho que já é tempo de tomarmos tenência, poupando o que ainda desfrutamos.  É hora de adotarmos novos hábitos, mudarmos conceitos e valores. À nível de atitudes pessoais podemos ressuscitar e tornar persona-grata um antigo personagem familiar conhecido de toda gente antiga: dona Parcimônia.  Essa criatura que atucanou a infância das pessoas que, como eu, já viveram mais de meio século. Gente que na infância tomava banho de caneca, numa grande bacia de metal. Gente que se abanava com leques para aliviar o calor nos dias abafados, pois ventilador era luxo, disponível para poucos e a energia era cara.  Pois esses tempos estão de volta. Para sofrer menos, o melhor é começar a ter atitudes de poupança, reduzindo o tempo no banho e o uso de água, enquanto ela ainda jorra abundante. Desligar o split e se abanar de vez enquanto é de bom tom, assim nos iremos acostumando a nova situação, treinando os músculos e a exercitando a tolerância ao desconforto. É bom ir treinando e agradecendo por ainda estarmos na fase do ensaio.
                          (Publicada Jornal Agora - 7/2/2015)

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