quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Os Estranhos e os Semelhantes

Ainda se ensinam às crianças a temerem estranhos e desconfiarem de quem não conhecem. Atrocidades recentes, porém, tem demonstrado o quanto a ameaça maior à infância pode estar em pessoa próxima, conhecida, e até na intimidade da própria família. Mas, afinal, quem são os tais “estranhos”?
Pela lógica do senso comum, estranhos são mais do que meros desconhecidos. São os que vem de um mundo diferente do nosso, que se trajam e se comportam de outro jeito. Por critérios subjetivos geralmente se refuta como ameaçadores estranhos todos os que se situam em situação econômica muito inferior, em posição social desfavorável. E por serem assim tão diferentes, exóticos, merecem distância, desconfiança e até desprezo.
Já os parecidos conosco, os que nos espelham, despertam confiança e afinidade. Também aqueles nos quais nos desejamos espelhar, por mais diferentes que sejam de nós, contam com sentimentos positivos de afeto. Se estiverem acima, em condição superior, merecem crédito, admiração, respeito e adulação, a despeito de mérito ou caráter, como tanto se vê no universo da idolatria a celebridades e no sucesso dos golpistas bem apresentados.
Outro sinal que demonstra e confirma o modo como as pessoas se escolhem é a expansão dos condomínios fechados, com suas ruas exclusivas e gente de viver semelhante, que se afina ou imagina se afinar por identificação.  Assim se erguem altos muros visíveis e mais algumas barreiras invisíveis, mas intransponíveis, demarcando territórios exclusivos.  De um lado, os que estão “podendo”, os donos do pedaço, de outro os mal-ajambrados em geral, o resto excluído. Resto é palavra que se ajusta como luva às demais pessoas, que não tem condições de morar no condomínio, nem direito de sequer pisar em sua calçada e representam ameaça pelo simples fato de existirem, de serem presenças indesejáveis.
A essência humana, entretanto, transcende aos trajes e as posses. Gente mal vestida é capaz de atitudes de extrema elegância e generosa cortesia. Já pessoas finamente trajadas não raro são protagonistas de maus modos e grosserias escabrosas.  Paradoxalmente, a vida mostra que nos tornamos todos muito semelhantes quando desprovidos dos enfeites e penduricalhos que nos diferenciam. Colocados em condição de igualdade, como nas tragédias, nas situações de graves crises ou colapso social, reencontramos a genuína humanidade que a todos irmana, nos fazendo capazes de atos de nobreza, generosidade e solidariedade. Esses efeitos tem sido muito vistos nas dramáticas cenas de êxodo de multidões em busca de exílio na Europa, em que pese a situação também tenha feito surgir reações de hostilidade, que expressam o lado menos nobre do ser humano.

Esses movimentos populacionais que a tantos desaloja e tantos conflitos geram acenam com a possibilidade de construção de um outro mundo, que exigirá novas referências e novos valores. Não vai sair barato e deverá ser bem doloroso o processo de transição. Mas haveremos de evoluir para o entendimento. Precisamos fazer deste Planeta um lugar em que a diversidade nos enriqueça e que todos os seres se considerem, se tratem e se respeitem como semelhantes, apesar e acima de qualquer estranhamento. Do jeito como a coisa está, certamente não vai ficar. Quem tiver a sorte de sobreviver, há de ver surgir esse novo ciclo.
                             (Publicado no Jornal Agora - em  19/09/2015)

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